A Amazônia é o bioma mais atingido por queimadas desde o início deste ano. Segundo o Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a floresta concentra metade (50,5%) dos focos de incêndio que consomem as matas do Brasil. Os estados do Pará, Mato Grosso e Amazonas são os mais afetados pelas chamas. As nuvens de fumaça que encobrem diversos municípios amazônicos chegaram ao Distrito Federal e outros 15 estados.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), os incêndios florestais no Brasil e em outros países da América do Sul, como Bolívia e Paraguai, são intensificados pelas mudanças climáticas, que causam estiagens prolongadas em biomas como o Pantanal e Amazônia, onde a seca é a pior em 40 anos.
Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, pontua que falta interesse e mobilização de força política para o enfrentamento da devastação ambiental, especialmente na floresta amazônica. “Se a Amazônia fosse um banco que tivesse indo à falência, eu acho que a gente poderia ter certeza de que os problemas já estariam resolvidos ou bem encaminhados. Mas a Amazônia não recebe esse nível de atenção. A atual situação da floresta requer medidas urgentes, de formulação de leis, de combate ao crime, de colocar uma economia que gere renda para a população local. O acúmulo de agressões está levando a floresta para um ponto de não-retorno, de colapso”, avalia.
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As queimadas, muito utilizadas para desmatar grandes áreas, têm gerado poluição extrema no ar e sufocado a população da região. Segundo o índice IQAir, três capitais da amazônia estão entre as cidades mais poluídas do país. Rio Branco, capital do Acre, Porto Velho, capital de Rondônia e Manaus, capital do Amazonas. Em função da poluição do ar, muitas pessoas que vivem na região estão doentes e os hospitais registram alta no atendimento de doenças respiratórias.
Índice IQAir de qualidade do ar aponta que três capitais da região amazônica estão entre as mais poluídas do país
A ativista ambiental Neidinha Suruí, que há mais de 40 anos trabalha pela proteção da floresta amazônica, comenta que a situação atual de sufocamento geral demonstra com clareza como a questão ambiental está diretamente ligada à saúde e ao bem-estar das pessoas. Ela acredita que as queimadas têm origem criminosa e são articuladas, baseadas em um pensamento desconectado das atuais necessidades do planeta e da sociedade.
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“A intenção deles é queimar mesmo a natureza. Ainda vivem na velha política da posse da terra por desmatamento, da década de 70, é como se não tivessem evoluído mentalmente, não tivessem acompanhado a evolução dos maquinários e da discussão mundial das emergências climáticas porque a gente não vive mudança climática, vivemos emergências climáticas. Vivemos agora, sofremos agora, estamos todos nesse momento sofrendo por causa da ação e ganância do ser humano”, refletiu.
Além das queimadas, os principais rios da bacia Amazônia estão em níveis baixíssimos e marcam recordes históricos de seca. O Serviço Geológico do Brasil apontou que o rio Solimões registrou a maior seca e atingiu a cota de 94 centímetros em Tabatinga, no Amazonas.
O mesmo ocorre com o rio Madeira, um dos principais rios do Brasil e o mais longo e importante afluente do rio Amazonas, registrou a menor cota da história na cidade de Porto Velho. O rio que é utilizado para transporte de pessoas e mantimentos, está com a navegação parcialmente suspensa, dificultando o ir e vir da população ribeirinha. Além do Amazonas e de Rondônia, o Acre e o Pará também registraram aumento da área seca extrema, conforme a Agência Nacional de Águas (ANA).
A estiagem também afeta diretamente a economia brasileira e o bolso dos cidadãos de todo país. Com os níveis reduzidos nas lâminas das principais usinas do país, o governo aciona as usinas térmicas para garantir o abastecimento energético. Um procedimento comum avaliado periodicamente, no entanto, desta vez em função da emergência climática que envolve seca extrema e estiagem, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) acionou, pela primeira vez em mais de três anos, a bandeira vermelha em patamar 2, que eleva o valor da conta de energia em R$7,87 a cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos.
Segundo Ingrid Peixoto Becker, meteorologista do Observatório Regional Amazônico (ORA), os níveis excepcionalmente baixos dos rios da Amazônia, como o Rio Madeira e o Rio Solimões, é resultante da combinação de fatores hidroclimáticos e ambientais. “O fenômeno El Niño de 2023, classificado como um dos mais intensos dos últimos 100 anos, desempenhou um papel crucial nessa situação. Ele, junto com o aquecimento anômalo das águas dos oceanos, especialmente o Atlântico, alterou os padrões climáticos globais, resultando na diminuição das chuvas na Amazônia. Esse fenômeno agravou a seca na região, com algumas sub-bacias do rio Amazonas sendo especialmente afetadas por secas extremas. Além desses fatores climáticos, os impactos ambientais locais, como desmatamento e queimadas, também intensificam a crise hídrica. Essas atividades prejudicam o ciclo hidrológico, alterando a evapotranspiração e a capacidade do solo de reter água, o que reduz ainda mais o fluxo dos rios”, explica a especialista Técnico em Geoprocessamento.
A ativista Neidinha Suruí corrobora e chama atenção que as queimadas o e desmatamento são fatores decisivos para fenômenos de alagamentos e enxurradas. “Se tu desmata, tu acaba com os recursos hídricos. Porque tu mata as nascentes, tu seca os rios. As pessoas não percebem que o desmatamento ajuda nas inundações, aí tu tem seca extrema, e quando vem a chuvarada, as árvores que deveriam segurar a água, não estão mais lá. Então tem que enfrentar o extremo com a seca e o extremo com a enchente. Desmatar é destruir os recursos hídricos, destruir a diversidade e destruir a saúde da população”, afirma a ativista ambiental.
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Um estudo do Instituto Socioambiental (ISA) revela que as Terras Indígenas, Reservas Extrativistas e territórios de ocupação tradicional tem maiores índices de proteção ambiental que Unidades de Conservação de proteção integral ou Áreas de Proteção Ambiental (APAs). Isso significa que as áreas que são ocupadas por povos tradicionais tendem a ser mais protegidas. Ocorre que as engrenagens dos crimes ambientais tem buscado ocupar também essas áreas, e encontram, muitas vezes encontram respaldo na legislação.
Neidinha Suruí afirma que o Marco Temporal é uma tragédia para o país e decreta a morte da Amazônia. Ela acredita ainda que, se os territórios e os direitos dos povos indígenas estivessem plenamente protegidos, a emergência climática enfrentada pela população da região norte poderia ser evitada ou reduzida. “Outra coisa mais grave que as pessoas nem falam, são os pontos de alertas de fogo que podem atingir os indígenas isolados. O pico do Tracoá, é a área de ocupação de índios isolados, por lá há um alerta de fogo e nós não temos nenhuma garantia do que está acontecendo com esses indios isolados. Em vários pontos do estado nós temos esses índios isolados e nós não sabemos como eles estão”.
O combate ao desmatamento e às queimadas exige consciência, educação ambiental e a mão do poder público para vigiar e punir, quando necessário. Na última terça-feira (3/9) a Polícia Federal realizou operação para identificar os suspeitos de atearem fogo em uma reserva ambiental em Guajará-Mirim, em Rondônia, na divisa com a Bolívia. Os criminosos podem responder pelos crimes de incêndio em floresta ou vegetação; de incêndio com perigo a integridade física de pessoas em pastagem podem pegar sujeitos a penas de até 25 anos de prisão.
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Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, também destacou que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avançou em alguns pontos na pauta ambiental, com a redução dos alertas de desmatamentos, mais espaço para a política indígena e a reativação do Fundo Amazônia. No entanto, o secretário executivo do Observatório do Clima pondera que há contradições na atual gestão.
“Há muita dificuldade para proteger terras na Amazônia, demarcar terras indígenas. Tem ministros que negam ou minimizam demais os problemas climáticos. Acham que a política ambiental no Brasil é uma agenda de segunda classe, que pode ser usada como moeda de troca. O próprio corpo do governo, que negocia dentro do Congresso Nacional, por muitas vezes usa a agenda ambiental como moeda de troca. Tem de tudo nesse governo. E não temos tempo para perder com pessoas que não acreditam na emergência climática, porque isso é uma questão real”, frisa o especialista. “Precisamos cuidar da Amazônia com carinho e muito respeito, e não sob a mira de uma motosserra”, acrescenta Márcio.
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