“Quero dizer que o Brasil está de volta. Para cooperar outra vez com os países mais pobres, sobretudo da África, com investimentos e transferência de tecnologia. Para estreitar novamente relações com nossos irmãos latino-americanos e caribenhos, e construir junto com eles um futuro melhor para nossos povos” — discursou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, recém-eleito, na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 27, realizada em Sharm el-Sheikh, no Egito, em novembro de 2022.
Antes de tomar posse, sua expectativa era de que voltaria a ser um player da diplomacia mundial, em contraste absoluto com o ex-presidente Jair Bolsonaro, que havia acabado de derrotar nas eleições daquele ano e que transformara o Brasil num “pária mundial”. Ao lado de sua futura ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, Lula nadou como um campeão olímpico na raia ambiental, com a promessa de conter imediatamente a devastação da Amazônia.
“Voltamos para ajudar a construir uma ordem mundial pacífica, assentada no diálogo, no multilateralismo e na multipolaridade”, destacou. Desde então, porém, o mundo se tornou muito mais perigoso, e a política externa brasileira passou a desnudar contradições que atingem a liderança de Lula no plano internacional e, também, ampliam suas dificuldades políticas internas.
Por exemplo, no mesmo momento em que a crise venezuelana se agudizava, Lula classificou como “normal” a situação do país vizinho, ao mesmo tempo em que as imagens da violenta repressão aos protestos da oposição contra a fraude eleitoral, que manteve o presidente Nicolás Maduro no poder, eram transmitidas por todos os meios de comunicação. Desinformação ou cinismo? Sua entrevista deu margem às duas interpretações.
Sim, o mundo ficou mesmo mais perigoso. Nesta quarta-feira, o Itamaraty emitiu nota oficial na qual “condena veementemente” o assassinato do chefe político do Hamas, Ismail Haniyeh. O líder do grupo terrorista foi morto durante um atentado aéreo ocorrido nas primeiras horas da manhã, em Teerã, depois de participar da posse do novo presidente daquele país, Masoud Pezeshkian. Durante a cerimônia de posse, esteve quase ao lado do vice-presidente Geraldo Alckmin, que representou o governo brasileiro. O Irã acusa Israel de ter lançado um foguete no quarto onde o líder palestino dormia.
O ataque cirúrgico a um hóspede oficial da posse do presidente do Irã aumentou a tensão no Oriente Médio, onde a tentativa de Lula no sentido de ter algum protagonismo nas negociações para acabar com a guerra de Gaza se tornou um conflito aberto com Israel. Netanyahu aposta na escalada do conflito para se manter no poder, não tem a menor intenção de dialogar.
Já há muita polêmica sobre a política externa brasileira. A narrativa errática de Lula em improvisos, emoldurada pelo chamado Sul Global, trouxe para o centro do debate um vetusto viés terceiro-mundista, que subordina a questão democrática à velha doutrina anti-imperialista da esquerda latino-americana.
Desde o “pragmatismo responsável” do falecido chanceler Saraiva Guerreiro, que comandou o Itamaraty de 1979 a 1985, o Brasil tem uma política externa independente e pragmática, que não comporta alinhamentos automáticos. O chanceler do governo do general João Batista Figueiredo está para o panteão da Casa de Rio Branco, como Oswaldo Aranha, San Tiago Dantas e Azeredo da Silveira.
Guerreiro deixou como legados o acordo da hidrelétrica de Itaipu, que encerrou o litígio entre o Brasil e o Paraguai com a Argentina, e o acordo nuclear Brasil-Alemanha Ocidental, assinado em 1975, no governo Geisel, apesar das pressões e da oposição dos Estados Unidos.
Àquela época, a política externa era muito criticada internamente, devido ao posicionamento do Itamaraty em relação à África, ao Oriente Médio e aos vizinhos latinos, mas havia um regime autoritário indiferente a pressões da oposição. A política externa de Lula está em linha com essa tradição.
Entretanto, a realidade mundial mudou. O esforço para posicionar o Brasil como líder do Sul Global no Ocidente, já que o protagonismo euroasiático da aliança China-Rússia-Irã é inegável, suscita muitos questionamentos e não tem respaldo nos demais países do Cone Sul. No momento, quem protagoniza esse eixo no subcontinente é a Venezuela de Nicolás Maduro. Não é uma boa companhia.
Do ponto de vista do comércio exterior, nosso principal parceiro comercial é a China, mas os Estados Unidos e a Argentina ainda são os principais mercado de nossa indústria. Uma política externa tendo por centralidade os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), agora ampliado, com a adesão de Arábia Saudita, Argentina, Emirados Árabes, Egito e Etiópia, como defende o assessor especial da Presidência Celso Amorim, desloca o nosso eixo de gravidade do campo da democracia representativa do Ocidente para os regimes autoritários do Oriente, de características “iliberais”, teológicas ou absolutistas, como o que se instalou na Venezuela.
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