GUARINO R. COLLI — Professor do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília (UnB), coordenador do INCT Biota Cerrado; HERALDO VASCONCELOS — Professor do Instituto de Biologia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), vice-coordenador do INCT Biota Cerrado
A Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF) tem como missão, conforme descrito no Artigo 2º de seu Estatuto Social, “estimular, apoiar e promover o desenvolvimento científico e tecnológico do Distrito Federal, visando ao bem-estar da população, defesa do meio ambiente e progresso da ciência e tecnologia”. No entanto, em um momento crítico para a conservação do Cerrado — o bioma brasileiro mais ameaçado —, a FAPDF compromete o desenvolvimento do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Biota Cerrado, um projeto voltado à pesquisa e à conservação da biodiversidade dessa região.
O INCT Biota Cerrado foi aprovado na rigorosa chamada pública CNPq nº 58/2022, viabilizada por parcerias entre o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e as Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) estaduais. No entanto, a FAPDF se recusou a assinar o acordo de cooperação técnica com o CNPq, alegando restrições orçamentárias para 2025. Tal decisão inviabiliza boa parte das atividades planejadas do INCT Biota Cerrado, colocando em risco não apenas a execução das metas estabelecidas, mas também os compromissos assumidos com um programa público de relevância nacional.
Em expedição científica à Lagoa do Cassó, no município de Primeira Cruz, Maranhão, nossa equipe recebeu a notícia de que a FAPDF não repassará os recursos previstos e acordados para o projeto. Do orçamento total aprovado para o INCT Biota Cerrado, aproximadamente 50% deveriam ser repassados pela FAPDF. Esses recursos correspondem a cerca de 70% da verba de capital e 80% dos recursos de custeio, essenciais para a execução do projeto. A ausência desse aporte impossibilita a manutenção das atividades previstas, como inventários biológicos, estudos sobre mudanças climáticas, manejo integrado do fogo, restauração ecológica e engajamento público com ciência.
O impacto também afeta diretamente dezenas de pesquisadores, incluindo bolsistas de produtividade do CNPq e instituições de ensino e pesquisa em todo o Brasil. O INCT Biota Cerrado desempenha um papel fundamental na formação de uma nova geração de cientistas, capacitados para enfrentar desafios globais relacionados às crises climáticas e da biodiversidade. Sem os recursos da FAPDF, a capacitação de estudantes de graduação, pós-graduação e pós-doutorado será drasticamente comprometida. Esses estudantes se tornam agentes de mudança em um cenário que exige soluções inovadoras e baseadas em evidências para problemas globais como catástrofes climáticas, fome, pandemias e imigração. Interromper sua formação enfraquece a soberania científica brasileira e limita nossa capacidade de liderar respostas regionais e globais para esses problemas.
O Brasil tem enfrentado um processo de sucateamento de sua infraestrutura de pesquisa. Esse cenário afeta a coleta e análise de dados no campo e em laboratórios, além da preservação de acervos científicos. Ainda assim, o INCT Biota Cerrado tem avançado, graças ao apoio do CNPq e da Capes, que viabilizou a recuperação de equipamentos, a aquisição de insumos e a implementação de bolsas de estudo. A decisão da FAPDF, no entanto, compromete severamente essa trajetória.
O Cerrado tem papel crítico na regulação climática, no ciclo hidrológico e na fertilidade dos solos. Oferece serviços indispensáveis, como o abastecimento de água para as principais bacias hidrográficas do país, a proteção contra a erosão e o suporte à agricultura sustentável. Sua preservação não é apenas uma questão ambiental, mas também econômica e social, já que milhões de pessoas dependem diretamente de seus recursos. O INCT Biota Cerrado é essencial para catalisar ações para o uso sustentável desse bioma, gerar dados cruciais para a formulação de políticas públicas eficazes e ampliar o engajamento da sociedade na conservação da biodiversidade. Sem isso, o Brasil arrisca perder um de seus maiores patrimônios naturais, agravando o colapso dos serviços ecossistêmicos que sustentam a vida e a economia do país.
Concluímos com um apelo às autoridades e à sociedade: exortamos a FAPDF a reconsiderar sua decisão e honrar os compromissos firmados. A continuidade do projeto é crucial para garantir o futuro do Cerrado e o avanço da ciência no Brasil. É o momento de unir esforços para preservar nosso patrimônio natural e assegurar um futuro sustentável para as próximas gerações!