Uma pesquisa do Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA) e da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) mostra que 40 espécies de pequenos mamíferos na Mata Atlântica e no Cerrado perderão um quarto de seu habitat e quase metade delas (45%) estará ameaçada até 2070.
Pode parecer pouco, mas essas 40 espécies representam todas as espécies endêmicas do Cerrado e cerca de 35% das espécies endêmicas da Mata Atlântica, segundo o artigo publicado em fevereiro no periódico Biological Journal of the Linnean Society.
Essa perda pode chegar a um terço do habitat, colocando em perigo ainda mais animais encontrados nos dois biomas, caso não haja políticas públicas de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas e redução no uso dos combustíveis fósseis.
Ana Carolina Loss, uma das autoras do artigo, explica que o estudo foi realizado com espécies de roedores e marsupiais, que são mamíferos de pequeno porte. Todas as espécies mencionadas são endêmicas dos dois biomas, ou seja, só ocorrem na Mata Atlântica e/ou Cerrado. Segundo ela, as 10 mais ameaçadas são, na maioria, roedores. Veja abaixo:
Cerradomys scotti
Calomys expulsus
Rhipidomys macrurus
Juliomys ossitenuis
Necromys lasiurus
Oxymycterus delator
Monodelphis kunsi
Castoria angustidens
Calomys tener
Delomys sublineatus
“A pesquisa focou na Mata Atlântica e no Cerrado porque se trata de dois dos biomas mais diversos e ameaçados do mundo, os chamados “hotspots” de biodiversidade”, explica a pesquisadora.
“A pesquisa focou na Mata Atlântica e no Cerrado porque se trata de dois dos biomas mais diversos e ameaçados do mundo, os chamados “hotspots” de biodiversidade”, explica a pesquisadora.
Sendo assim, essas áreas tem uma importância global para a conservação, pois são locais que apresentam uma diversidade muito grande e exclusiva de espécies, bem como um longo histórico de devastação. Além disso, ela são áreas muito vulneráveis aos efeitos negativos das mudanças climáticas.
“O nosso foco de trabalho principal é a Mata Atlântica. Então, nossa intenção é ampliar esse estudo para incluir outros grupos de espécies, como sapos, lagartos, aves e peixes, a fim de entender como as mudanças climáticas podem afetar outros componentes da biodiversidade”, afirma.
Modelagem de nicho
O estudo utilizou técnica de modelagem de nicho, um método de inteligência artificial baseado em algoritmo de aprendizado de máquina, e foi realizado também pelos pesquisadores Bruno Henrique de Castro Evaldt e Yuri Luiz Reis Leite, ambos da UFES. Ana Carolina explica mais sobre o método:
São reunidos registros de ocorrência de cada espécie. A partir disso, retiram-se informações sobre condições climáticas (temperatura, regime de chuvas, etc) dos locais onde cada espécie ocorre e essas informações são fornecidas para os programas de computador;
Com essas informações, o programa consegue “aprender” quais são as características climáticas adequadas para aquela espécie. Esse conjunto de características ambientais é o chamado “modelo de nicho”;
Uma vez identificadas essas características, o programa pode fazer um mapeamento de onde estão essas áreas adequadas;
Para saber como serão as condições climáticas no futuro e mapear as áreas adequadas para as espécies, são usadas projeções do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas).
Segundo Ana, o IPCC projeta vários cenários diferentes de aumento da temperatura da Terra, alguns mais otimistas, outros mais pessimistas.
“Para construir esses cenários, o IPCC toma como base possíveis ações globais de adoção ou não de políticas públicas de mitigação dos efeitos do clima, como por exemplo as ações estabelecidas nos acordos internacionais, como o Acordo de Paris”, explica.
Potenciais espécies ameaçadas
Das 40 espécies inclusas no trabalho, nenhuma está ameaçada de extinção no momento. No entanto, de acordo com o modelo de nicho, diante do cenário de mudança climática, cerca de metade delas pode estar em alguma categoria de ameaça até 2070.
Ainda segundo Ana Carolina, essas previsões serão passadas nas oficinas de avaliação de status de conservação das espécies, realizadas pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) para estipular políticas públicas de conservação das espécies.
Enquanto algumas espécies enfrentam o risco de desaparecer dos locais onde ocorrem naturalmente devido às mudanças climáticas, outras podem começar a aparecer em regiões onde atualmente não são encontradas, sobretudo, espécies mais adaptadas a áreas abertas.
“Apesar de terem suas preferências de temperatura e de regime de chuva, elas necessitam de um ecossistema para sobreviver. Então, por mais que climaticamente esteja favorável para a ocorrência de uma espécie, se todas as outras espécies que compõem o ecossistema não estiverem ali, é possível que ela não consiga ocorrer”, finaliza a autora.
VÍDEOS: Destaques Terra da Gente