Danos da deseducação ambiental

Entre as muitas carências do país, a falta de educação, em todos os níveis, a ganância e o negacionismo, em boa parte, explicam os incêndios criminosos que se alastram pelo Brasil. A preservação do meio ambiente é condição imprescindível à vida humana, mas o imediatismo por riqueza fala mais alto. Os efeitos da destruição do patrimônio natural não são restritos a uma parcela da população daqui ou de outra acolá. Toda a sociedade é afetada. No campo, a situação tem um agravante: a perda de produção de alimentos e de cultivos destinados à exportação, o que impacta diretamente o agronegócio.

Quando a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, levanta a suspeita de que os focos de incêndio são criminosos, não se trata de uma leviandade. O estado de São Paulo enfrenta queimadas sem precedentes. O governador Tarcísio de Freitas, semanas atrás, anunciou a prisão de alguns suspeitos, que iniciaram incêndios para ganhar R$ 300. A mesma situação ocorreu em Goiás — o provocador da queimada também foi renumerado para praticar o crime. No início da semana passada, a Flona do Distrito Federal ardeu em chamas e pelo menos três suspeitos foram detidos pela polícia.

Hoje, três biomas — Cerrado, Pantanal e Amazônia — estão sendo queimados em proporções sem precedentes. A ministra Marina antevê que o Pantanal mato-grossense pode desaparecer caso persistam os ataques premeditados. Ela não fala de uma área qualquer. O Pantanal é a maior planície alagada do planeta, com área de 124.457 Km², estendendo-se pelos estados de Mato Grosso do Sul e do Norte, e em parte dos vizinhos Paraguai e Bolívia. Uma área com fauna e flora, que abriga espécies singulares, muitas ainda não descritas pelos especialistas. Até o último dia 8, o bioma havia perdido 2,5 milhões de hectares.

A tragédia ocorre também no Cerrado, um bioma vítima da ganância e dos desprezo dos seus exploradores. No primeiro semestre deste ano, foram identificados cerca de 11 mil focos de queimadas — 31% a mais do que no mesmo período do ano passado. Mais da metades desses incêndios ocorreu no Matopiba (acrônimo com a primeira sílaba dos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), região onde avança a agropecuária, com destaque para a produção de soja, milho e algodão, responsável por 10% da produção nacional de grãos e fibras. Ao contrário da Amazônia, no Cerrado, os produtores rurais podem explorar 80% da propriedade e preservar 20% da cobertura vegetal.

A Amazônia tem sido o bioma mais ambicionado pelos predadores do patrimônio natural do país — a maior floresta tropical do planeta. Os ataques são promovidos por garimpeiros, sustentados pelo crime organizado do Sudeste, madeireiros, grileiros e invasores inimigos dos povos indígenas e dos territórios tradicionais dos quilombolas. Só neste ano, foram identificados 16.447 focos de incêndio, segundo o Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Nos primeiros quatro dias deste mês, foram 1.212 focos de queimada, e, em agosto, 10.328 — 186% mais do que a média mensal de 3.606 focos registrados, acrescenta o Inpe.

É este Brasil que, no ano que vem, sediará a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas. A reunião será no Pará, um importante estado da Região Amazônica, cujo cenário é dramático. Entre as muitas motivações para a degradação da natureza, há a falha na educação ambiental, que deveria compor a grade de disciplinas em todas as escolas do país, a fim de que crianças, jovens e adultos aprendessem a ter uma relação respeitosa com o meio ambiente. Mas nem tudo é como deve ser. Vivemos no Brasil.

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Amazônia em chamas enfrenta a seca histórica

A Amazônia é o bioma mais atingido por queimadas desde o início deste ano. Segundo o Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a floresta concentra metade (50,5%) dos focos de incêndio que consomem as matas do Brasil. Os estados do Pará, Mato Grosso e Amazonas são os mais afetados pelas chamas. As nuvens de fumaça que encobrem diversos municípios amazônicos chegaram ao Distrito Federal e outros 15 estados.

Segundo o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), os incêndios florestais no Brasil e em outros países da América do Sul, como Bolívia e Paraguai, são intensificados pelas mudanças climáticas, que causam estiagens prolongadas em biomas como o Pantanal e Amazônia, onde a seca é a pior em 40 anos.

Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, pontua que falta interesse e mobilização de força política para o enfrentamento da devastação ambiental, especialmente na floresta amazônica. “Se a Amazônia fosse um banco que tivesse indo à falência, eu acho que a gente poderia ter certeza de que os problemas já estariam resolvidos ou bem encaminhados. Mas a Amazônia não recebe esse nível de atenção. A atual situação da floresta requer medidas urgentes, de formulação de leis, de combate ao crime, de colocar uma economia que gere renda para a população local. O acúmulo de agressões está levando a floresta para um ponto de não-retorno, de colapso”, avalia.

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As queimadas, muito utilizadas para desmatar grandes áreas, têm gerado poluição extrema no ar e sufocado a população da região. Segundo o índice IQAir, três capitais da amazônia estão entre as cidades mais poluídas do país. Rio Branco, capital do Acre, Porto Velho, capital de Rondônia e Manaus, capital do Amazonas. Em função da poluição do ar, muitas pessoas que vivem na região estão doentes e os hospitais registram alta no atendimento de doenças respiratórias.

Índice IQAir de qualidade do ar aponta que três capitais da região amazônica estão entre as mais poluídas do país

A ativista ambiental Neidinha Suruí, que há mais de 40 anos trabalha pela proteção da floresta amazônica, comenta que a situação atual de sufocamento geral demonstra com clareza como a questão ambiental está diretamente ligada à saúde e ao bem-estar das pessoas. Ela acredita que as queimadas têm origem criminosa e são articuladas, baseadas em um pensamento desconectado das atuais necessidades do planeta e da sociedade.

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“A intenção deles é queimar mesmo a natureza. Ainda vivem na velha política da posse da terra por desmatamento, da década de 70, é como se não tivessem evoluído mentalmente, não tivessem acompanhado a evolução dos maquinários e da discussão mundial das emergências climáticas porque a gente não vive mudança climática, vivemos emergências climáticas. Vivemos agora, sofremos agora, estamos todos nesse momento sofrendo por causa da ação e ganância do ser humano”, refletiu.

Além das queimadas, os principais rios da bacia Amazônia estão em níveis baixíssimos e marcam recordes históricos de seca. O Serviço Geológico do Brasil apontou que o rio Solimões registrou a maior seca e atingiu a cota de 94 centímetros em Tabatinga, no Amazonas.

O mesmo ocorre com o rio Madeira, um dos principais rios do Brasil e o mais longo e importante afluente do rio Amazonas, registrou a menor cota da história na cidade de Porto Velho. O rio que é utilizado para transporte de pessoas e mantimentos, está com a navegação parcialmente suspensa, dificultando o ir e vir da população ribeirinha. Além do Amazonas e de Rondônia, o Acre e o Pará também registraram aumento da área seca extrema, conforme a Agência Nacional de Águas (ANA).

A estiagem também afeta diretamente a economia brasileira e o bolso dos cidadãos de todo país. Com os níveis reduzidos nas lâminas das principais usinas do país, o governo aciona as usinas térmicas para garantir o abastecimento energético. Um procedimento comum avaliado periodicamente, no entanto, desta vez em função da emergência climática que envolve seca extrema e estiagem, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) acionou, pela primeira vez em mais de três anos, a bandeira vermelha em patamar 2, que eleva o valor da conta de energia em R$7,87 a cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos.

Segundo Ingrid Peixoto Becker, meteorologista do Observatório Regional Amazônico (ORA), os níveis excepcionalmente baixos dos rios da Amazônia, como o Rio Madeira e o Rio Solimões, é resultante da combinação de fatores hidroclimáticos e ambientais. “O fenômeno El Niño de 2023, classificado como um dos mais intensos dos últimos 100 anos, desempenhou um papel crucial nessa situação. Ele, junto com o aquecimento anômalo das águas dos oceanos, especialmente o Atlântico, alterou os padrões climáticos globais, resultando na diminuição das chuvas na Amazônia. Esse fenômeno agravou a seca na região, com algumas sub-bacias do rio Amazonas sendo especialmente afetadas por secas extremas. Além desses fatores climáticos, os impactos ambientais locais, como desmatamento e queimadas, também intensificam a crise hídrica. Essas atividades prejudicam o ciclo hidrológico, alterando a evapotranspiração e a capacidade do solo de reter água, o que reduz ainda mais o fluxo dos rios”, explica a especialista Técnico em Geoprocessamento.

A ativista Neidinha Suruí corrobora e chama atenção que as queimadas o e desmatamento são fatores decisivos para fenômenos de alagamentos e enxurradas. “Se tu desmata, tu acaba com os recursos hídricos. Porque tu mata as nascentes, tu seca os rios. As pessoas não percebem que o desmatamento ajuda nas inundações, aí tu tem seca extrema, e quando vem a chuvarada, as árvores que deveriam segurar a água, não estão mais lá. Então tem que enfrentar o extremo com a seca e o extremo com a enchente. Desmatar é destruir os recursos hídricos, destruir a diversidade e destruir a saúde da população”, afirma a ativista ambiental.

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Um estudo do Instituto Socioambiental (ISA) revela que as Terras Indígenas, Reservas Extrativistas e territórios de ocupação tradicional tem maiores índices de proteção ambiental que Unidades de Conservação de proteção integral ou Áreas de Proteção Ambiental (APAs). Isso significa que as áreas que são ocupadas por povos tradicionais tendem a ser mais protegidas. Ocorre que as engrenagens dos crimes ambientais tem buscado ocupar também essas áreas, e encontram, muitas vezes encontram respaldo na legislação.

Neidinha Suruí afirma que o Marco Temporal é uma tragédia para o país e decreta a morte da Amazônia. Ela acredita ainda que, se os territórios e os direitos dos povos indígenas estivessem plenamente protegidos, a emergência climática enfrentada pela população da região norte poderia ser evitada ou reduzida. “Outra coisa mais grave que as pessoas nem falam, são os pontos de alertas de fogo que podem atingir os indígenas isolados. O pico do Tracoá, é a área de ocupação de índios isolados, por lá há um alerta de fogo e nós não temos nenhuma garantia do que está acontecendo com esses indios isolados. Em vários pontos do estado nós temos esses índios isolados e nós não sabemos como eles estão”.

O combate ao desmatamento e às queimadas exige consciência, educação ambiental e a mão do poder público para vigiar e punir, quando necessário. Na última terça-feira (3/9) a Polícia Federal realizou operação para identificar os suspeitos de atearem fogo em uma reserva ambiental em Guajará-Mirim, em Rondônia, na divisa com a Bolívia. Os criminosos podem responder pelos crimes de incêndio em floresta ou vegetação; de incêndio com perigo a integridade física de pessoas em pastagem podem pegar sujeitos a penas de até 25 anos de prisão.

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Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, também destacou que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avançou em alguns pontos na pauta ambiental, com a redução dos alertas de desmatamentos, mais espaço para a política indígena e a reativação do Fundo Amazônia. No entanto, o secretário executivo do Observatório do Clima pondera que há contradições na atual gestão.

“Há muita dificuldade para proteger terras na Amazônia, demarcar terras indígenas. Tem ministros que negam ou minimizam demais os problemas climáticos. Acham que a política ambiental no Brasil é uma agenda de segunda classe, que pode ser usada como moeda de troca. O próprio corpo do governo, que negocia dentro do Congresso Nacional, por muitas vezes usa a agenda ambiental como moeda de troca. Tem de tudo nesse governo. E não temos tempo para perder com pessoas que não acreditam na emergência climática, porque isso é uma questão real”, frisa o especialista. “Precisamos cuidar da Amazônia com carinho e muito respeito, e não sob a mira de uma motosserra”, acrescenta Márcio.

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Com problemas do tamanho da receita, carências antigas persistem em Duque de Caxias

Duque de Caxias possui um dos maiores orçamentos do Estado do Rio, cerca de R$ 5 bilhões anuais, o que torna o município menos dependente de transferências externas para realizar ações para o seu desenvolvimento, ao contrário da maioria das cidades brasileiras. No entanto, a receita generosa não tem resultado em altos investimentos públicos, um desafio a ser enfrentado pelo próximo prefeito. De acordo com a análise de gestão fiscal feita pela Federação das Indústrias do Estado do Rio (Firjan), na última década — durante os governos de Alexandre Cardoso (2013-2016), Washington Reis (2017-abril de 2022) e Wilson Reis (2022-2024) —, o município esteve na zona crítica do nível de investimentos municipais, calculado pelo Índice Firjan (IFGF), saindo dessa faixa apenas em 2020 e 2022, anos eleitorais.

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Constam do relatório da Firjan demandas para melhoria do desenvolvimento econômico da cidade. A pesquisa, feita entre empresários, aponta para pavimentação adequada das vias urbanas; infraestrutura para oferta de energia elétrica às áreas industriais; aumento da rede de coleta de resíduos e recicláveis; atuação conjunta com o governo estadual na área de segurança pública e repressão ao comércio ilegal. A pesquisa vai ao encontro de reivindicações da população, que incluem ainda investimentos no transporte e na educação.

As queixas dos moradores sobre a qualidade do serviço prestado pelas empresas de ônibus, que vão de veículos superlotados ao longo intervalo entre as viagens, chamam a atenção. A deficiência na mobilidade prejudica tanto os passageiros que precisam se deslocar para o Centro de Caxias, quanto para a capital. Além disso, há pouca integração com os demais municípios da Região Metropolitana do Rio, apesar da cidade ser cortada por duas importantes rodovias: a BR-040 (Rio-Petrópolis) e a BR-493 (Itaboraí-Itaguaí). Recentemente, a população foi surpreendida por ônibus municipais com tarifa zero, lançados pela prefeitura para suprir a carência de transporte.

O combate às enchentes é outro desafio para o novo prefeito. Faltam estudos da prefeitura que embasem ações necessárias para reduzir os problemas causados pelas fortes chuvas de verão. Ao analisar o plano de contingência da Defesa Civil para chuva 2023-2024, é possível perceber que o documento sequer conta com um diagnóstico atualizado das regiões vulneráveis às mudanças climáticas. O estudo que serviu de base para o planejamento é de 2011.

A priorização da educação é outro tema recorrente. Os candidatos a prefeito Zito (PV), Wesley Teixeira (PSB) e Celso do Alba (União) assinaram uma carta em que se comprometem com o Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Estado do Rio (Sepe) a investirem na área, incluindo reajustes salariais. O vencimento básico da categoria hoje no município, que já foi um dos maiores do estado, não alcança o piso nacional do magistério (R$ 4.580,57).

Moradora do bairro Doutor Laureano, Jussara Porfírio faz uma lista de desafios para o novo prefeito de Duque de Caxias: transportes, segurança, saúde e educação. Mas são as enchentes que ela destaca na lista de prioridades:

O que os moradores querem para cidade

— Amigos no bairro do Pilar foram castigados pelas cheias. Perderam casas, carros, tudo, por falta de drenagem nos rios. É lamentável o descaso com a população. É um problema que sabemos que pode ser solucionado, mas por negligência não resolvem — reclama, ao apostar numa solução:— Um bom gestor, pois a cidade está totalmente abandonada.

Lilian Almeida, moradora em Xerém, diz que o transporte é um dos piores serviços públicos da cidade, “devido à falta de opções”. Segundo ela, a mesma empresa é responsável pela maior parte das linhas na região em que mora, o quarto distrito.

— É uma empresa péssima, cheia de irregularidades. Opera mesmo que os ônibus estejam em condições precárias, colocando a vida dos passageiros em risco — afirma.

Já a falta de segurança é apontada por Lidiane Lima, de Santa Cruz da Serra, como uma deficiência:

— A gente não tem mais um ambiente seguro.

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Artigo: Cidades tomadas por fumaça: como evitar?

Lívia Moura*

Nesta semana, várias cidades do interior de São Paulo reportaram estado de alerta com focos de calor e incêndios de grandes proporções no meio rural. O deslocamento dessa fumaça, somada a incêndios locais, fez com que cidades, como Brasília, Belo Horizonte e Goiânia amanhecessem cobertas por um ar denso e cinza. O governo federal se posicionou e declarou o fato como uma nova crise climática no país. A Polícia Federal foi acionada para investigar as causas dos incêndios, que indicam ter origens criminosas.

A grande questão é: como podemos evitar crises como essa? Sabemos que, uma vez instalado um incêndio de grandes proporções, dificilmente o combatemos com eficiência e sem prejuízos. Por isso, precisamos usar técnicas e ações de prevenção.

A prevenção, nesse caso, conta, primeiramente, com o manejo adequado para cada tipo de vegetação, considerando a situação de uso e ocupação em cada local. Com o manejo das áreas rurais, realizado de maneira planejada, é possível reduzir a ocorrência de incêndios (fogo descontrolado e indesejado) e, consequentemente, a fumaça, além de preservar a saúde das pessoas e contribuir com a biodiversidade.

O Manejo Integrado do Fogo (MIF) envolve um conjunto de ações preventivas para evitar incêndios. A recém-sancionada Política Nacional do MIF (Lei nº 14.944/2024) indica a implementação de queimas prescritas e planejadas, em áreas estratégicas de campos e savanas, onde a vegetação é adaptada ou dependente do fogo. Essas queimas ajudam a proteger as matas e florestas que sofrem com a passagem de qualquer fogo. Isso porque, quando se queima uma área, o combustível de uma faixa é eliminado e, se um incêndio vier a ocorrer posteriormente, ele não consegue se propagar.

Com mudanças e fenômenos climáticos cada vez mais comuns, não podemos contar com a sorte de não haver nenhuma fonte de ignição. Ao fazer uma queima prescrita em área estratégica, os incêndios acabam “morrendo de fome” por falta de combustível (vegetação seca) para alimentá-lo. Com áreas menores sendo queimadas de maneira controlada, a quantidade de fumaça diminui.

As populações que vivem no meio rural precisam ser envolvidas em ações de educação ambiental relacionadas ao tema fogo, monitoramento de suas áreas e entorno, e recuperação de áreas degradadas. A população urbana também tem um papel fundamental a desempenhar por meio de denúncias, vigílias e conscientização.

Essas ações são parte essencial do MIF. Diferentemente do que se fala, MIF não é queima prescrita, mas, sim, uma abordagem com várias ações e atividades, inclusive, o combate e a prevenção de incêndios, todas com foco em reduzir os incêndios e os problemas associados.

No geral, os incêndios criminosos devem continuar, enquanto não houver conscientização e fiscalização adequada. Porém, estudos apontam que ao se fazer o manejo de um território, conforme previsto no MIF, a ocorrência de grandes incêndios diminuirá. Isso ocorre por causa também das áreas menores atingidas por incêndios após a aplicação de queimas prescritas, aceiros e recuperação de áreas degradadas. Com áreas menores sendo queimadas, a fumaça e a poluição provocadas também são reduzidas.

A população local estando mais amparada, informada e empoderada, com ferramentas para melhorar o monitoramento e registrar ocorrências ou denunciar crimes envolvendo o fogo, espera-se uma diminuição na ocorrência de incêndios criminosos. Essa é uma combinação de fatores que o MIF tem como pressuposto e diretriz, que vai ajudar a diminuir e prevenir crises climáticas.

Precisamos celebrar a aprovação da Lei 14.944/2024, que cria a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (MIF), pois contamos com ela para melhorar o nosso entendimento sobre o fogo, enquanto cidadãos, e para lidar melhor com ele, manejando-o. A política é uma das maiores respostas às crescentes necessidades de adaptação e mitigação dos impactos dos incêndios, especialmente em tempos de mudanças climáticas.

Com a nova Política do MIF, as coisas podem mudar. O conhecimento tradicional, de povos e comunidades do Cerrado, dizia, há muito tempo, que com o manejo adequado do fogo, a probabilidade desses incidentes serem tão grandes e desastrosos é muito pequena. Na última década, as instituições brasileiras reconheceram esse valioso conhecimento e incorporaram o fogo como instrumento de manejo. Agora, o planejamento e o monitoramento participativo e adaptativo indicam que esse é o melhor caminho a seguir para cuidar bem da natureza, da sociobiodiversidade e das pessoas.

Assessora técnica do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN)*

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Boulos chama Marçal de “criminoso” e critica Ricardo Nunes

O candidato à Prefeitura de São Paulo Guilherme Boulos (PSol-SP) chamou o também candidato Pablo Marçal (PRTB-SP) de “coisa abjeta”, “criminoso” e “marginal” em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, na noite desta segunda-feira (26/8). A fala aconteceu após pergunta da jornalista Raquel Landim, do UOL, que questionou pronunciamento do deputado federal em que ele afirmou que o prefeito Ricardo Nunes (MDB-SP) e Marçal são “duas faces da mesma moeda”. Questionado se essa afirmação não estaria “normalizando” o coaching, Boulos afirmou que ele jamais faria a normalização do adversário, mas que não poderia deixar de destacar a relação de Nunes com o bolsonarismo.

“Marçal representa esse suco puro da extrema direita de ódio e de mentira”, destacou. “O Ricardo Nunes é o candidato oficial do Bolsonaro, que fez, além de todos esses gestos verbais ao Bolsonaro que eu disse, ele mantinha um secretário de Mudanças Climáticas que era negacionista do aquecimento global.”

Boulos ainda destacou que “acusações e fake news não são privilégio do bolsonarismo raiz” e que já foi vítima de notícias falsas de ambos os candidatos. “O Marçal inventou fake news e faz de um jeito mais histriônico, mais agressivo, mais violento, mas o Ricardo Nunes outro dia deu uma entrevista em que, em uma única frase, disse que eu era do Hamas, do Comando Vermelho e tomava a casa dos outros, isso é fake news”, afirmou.

A entrevista de Boulos ao Roda Viva é a terceira de uma série de entrevistas com candidatos à prefeitura. O programa já entrevistou José Luiz Datena (PSDB-SP) e Tabata Amaral (PSB-SP).

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Ação conjunta é urgente para o Brasil em chamas

Os integrantes dos Três Poderes no âmbito federal, distante centenas de quilômetros da Amazônia, do Pantanal Mato-grossense, sentiram, no fim de semana último, os efeitos das queimadas espalhadas nas regiões Centro-Oeste, Norte e em São Paulo (Sudeste). Os rios voadores não trouxeram água, mas fumaça perturbadora, produzida pelos focos de incêndio em 16 das 27 unidades da Federação, que também surpreendeu cidadãos comuns. Uma mensagem de que não é mais possível postergar a execução das medidas necessárias para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, muito menos deixar na gaveta o pacto pela transformação ecológica assinado pela cúpula do Executivo, Legislativo e Judiciário na semana passada.

Hoje, o patrimônio natural arde e suprime a integridade dos biomas do país, afetando a oferta de água, pondo em risco a fertilidade do solo e eliminando elementos da fauna. Fenômenos como as enchentes que destruíram cidades inteiras no Rio Grande do Sul, as recorrentes tragédias na região serrana do Rio de Janeiro e a seca dos rios na Amazônia, uma área cortada pelo maior curso d’água do planeta, não deixam dúvidas de que as mudanças climáticas se tornaram a nova realidade do planeta. As teses negacionistas se perdem em meio aos tornados, às chuvas torrenciais, ou entre os ciclones.

Tanto as cidades quanto o meio rural estão ameaçados. Tornou-se urgente a união dos Três Poderes e de todos os demais segmentos da sociedade, levando em consideração o que recomendam os cientistas e outros profissionais dedicados ao meio ambiente, para a construção de políticas públicas sustentadas pela ciência e pelo respeito ao patrimônio natural. As diferentes bancadas, que representam segmentos como ruralistas, educadores, economistas e da saúde, têm de considerar que a natureza, com toda a sua complexidade, não tem ideologia política. A preservação do meio ambiente por meio de um relacionamento amistoso com todos os biomas é requisito básico para preservar a vida humana.

“O Titanic bateu no iceberg não porque o capitão não o tenha visto. Mas por inércia no uso do maquinário para desviar o navio do iceberg. O que os cientistas, climatologistas e ambientalistas têm feito é avisar que é preciso desviar o planeta do iceberg”, alertou o professor Reuber Brandão, biólogo graduado pela Universidade de Brasília (UnB) e doutor em ecologia, em entrevista ao CB.Poder, nesta segunda-feira. Ainda há tempo de dar novo rumo ao planeta, desviando-o do ponto de não retorno, lembrou ele.

A política ambiental brasileira foi muito maltratada nos últimos anos. Órgãos de fiscalização, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), e outros que fazem interface com o tema foram desmontados. Ocorreram perdas de técnicos e retração no orçamento — impedindo a aquisição de equipamentos e o custeio de incursões em áreas ameaçadas pelos invasores e predadores.

É um cenário que comprometeu, e compromete, o cumprimento das respectivas missões desses órgãos. Nos últimos oito meses, foram registrados 5.280 focos de incêndios no país, sendo 1.886, na última sexta-feira, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em São Paulo, foram 48 focos de incêndio, em cidades distintas e quase simultaneamente. A coincidência levou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a suspeitar de que se tratou de uma ação premeditada e a solicitar uma investigação da Polícia Federal.

Um pacto verdadeiro pela transformação ecológica do Brasil não deve ser conduzido por ideologias, interesses pessoais ou de grupos. O acordo, para ser cumprido, tem, necessariamente, de entender a natureza como bem coletivo, que precisa ser preservado sem coloração partidária. A sua construção deverá ter como pilares as orientações da ciência, dos diversos profissionais que se dedicam à preservação da vida na natureza, inclusive a humana.

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Risco de escassez hídrica pressiona serviço de água e esgoto

O Brasil terá que fazer investimentos robustos para melhorar os indicadores do saneamento básico. Para a cobertura de 99% do abastecimento de água e de 90% da coleta e tratamento de esgoto até 2033, como determina o Marco Legal do setor, o Instituto Trata Brasil, que em julho divulgou estudo “Avanços do Novo Marco Legal do Saneamento Básico no Brasil”, estima um aporte de R$ 509 bilhões.

Já a Associação e Sindicato Nacional das Concessionários Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon/Sindcon) calcula em R$ 800 bilhões.

O risco de escassez hídrica, consequência de modificações no regime de chuvas, aumenta o desafio de reduzir o nível de água potável perdida ou não contabilizada na distribuição, de 37,8%.

De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis), do Ministério das Cidades, atualmente, 84,9% da população têm acesso adequado à água e 56% contam com esgotamento sanitário, embora o índice de tratamento do esgoto seja de 52,2%.

Órgãos reguladores

A regulação é considerada fundamental.

— O regulador fiscaliza a prestação de um serviço que é muito peculiar— explica Cintia Leal de Araújo, superintendente de regulação de saneamento básico da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).

A regulação também é importante para a definição das diretrizes de fiscalização dos serviços de manejo de resíduos sólidos urbanos, que tem uma cobertura de 90,8% dos municípios, conforme o Snis, e de drenagem e manejo das águas pluviais urbanas (DMAPU).

A harmonização regulatória do setor é uma competência atribuída à ANA. O objetivo é fortalecer os órgãos reguladores para que tenham capacidade de fiscalizar o atendimento das metas, diz Cintia Leal. Entretanto, o trabalho de monitoração da prestação de serviços cabe aos municípios. Já foram cadastradas 54 reguladoras de água e esgoto com delegação em municípios.

Os números diminuem nas outras duas categorias, ou seja, 26 para fiscalizar os contratos de manejo dos resíduos sólidos urbanos e apenas seis para monitorar as operações de DMAPU.

A ideia é estimular que os órgãos reguladores incorporem o monitoramento das quatro modalidades de serviços que integram o saneamento básico.

As concessionárias privadas já atuam de forma exclusiva ou em parceria com companhias públicas em 881 municípios (15,83% do total). Os investimentos de R$ 5,9 bilhões que já realizaram para a prestação de serviços de água e esgotamento sanitário equivalem a 27% dos R$ 21,6 bilhões aportados no setor. Atualmente, elas atendem 52 milhões de pessoas.

De acordo com o Abcon/Sindcon, o número de municípios atendidos pelas concessionárias privadas aumentou 203% desde que o Marco Legal do Saneamento Básico entrou em vigor, em 2020.

O atendimento dos territórios indígenas e das comunidades tradicionais, mais vulneráveis, cabe à União. Na Região Norte, por exemplo, 35,8% da população não têm acesso adequado à água e 85% são sem esgoto. No Nordeste os indicadores são de 23,1% e de 68,6%, respectivamente.

A Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, está fazendo um diagnóstico de 34 distritos sanitários indígenas com o objetivo de estabelecer metas de prestação, revela Rodrigo Resende, oficial de água e saneamento do Unicef Brasil.

Além de apoiar a iniciativa, que está em fase de planejamento, o Unicef Brasil desenvolve no Norte e no Nordeste o Programa de Água, Saneamento e Higiene, Mudanças Climáticas e Desastres (Wash/CEED).

Rodrigo Resende, do Unicef Brasil, conta que a instituição tem apoiado projetos que utilizam energia solar nas bombas para captação de água, como forma de redução da vulnerabilidade:

— É preciso fortalecer capacidades voltadas para a gestão de riscos e de desastres com um olhar específico para a garantia dos serviços essenciais em momentos de crise —afirmou. *Do Valor

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As incríveis fotos de um dos lugares mais remotos da Terra

Em nosso mundo sempre conectado, é raro experimentar o verdadeiro isolamento.

Também é extraordinário testemunhar como as pessoas vivem em um dos lugares mais isolados da Terra.

No início deste ano, durante uma expedição fotográfica única para a comunidade mais remota do hemisfério ocidental, consegui fazer as duas coisas.

Ittoqqortoormiit, na Groenlândia, é uma vila de 370 pessoas com casas coloridas que fica entre o maior parque nacional do mundo, ao norte, e o maior sistema de fiordes do mundo, ao sul.

Não há estradas para Ittoqqortoormiit; a única maneira de chegar lá é de helicóptero, barco (no verão), motoneve ou um dos dois voos semanais para o aeroporto Nerlerit Inaat, a cerca de 40 km de distância.

Um dos voos tem origem na Islândia, e o outro na Groenlândia ocidental.

Localizado acima do Círculo Polar Ártico, a 70°N, e a aproximadamente 800 km da cidade mais próxima, o quintal de Ittoqqortoormiit é uma região selvagem gelada e indomável, lar de ursos polares, bois-almiscarados e milhões de aves marinhas que fazem ninhos em icebergs.

O gelo marinho congela a vila por nove meses por ano, mas isso oferece um meio de locomoção para os habitantes inuítes de Ittoqqortoormiit, que viajam de trenó puxado por cães para caçar.

A vila celebrará seu centenário em 2025, mas nos últimos anos sua população vem diminuindo (35% desde 2006, segundo algumas estimativas), pois os jovens estão cada vez mais migrando para as cidades para estudar ou seguir carreiras diferentes da tradicional caça ártica de seus antepassados.

Além disso, como o aumento das temperaturas faz com que o gelo marinho congele mais tarde e derreta mais cedo, Ittoqqortoormiit se encontra na linha de frente das mudanças climáticas, o que está ameaçando ainda mais a cultura da comunidade indígena.

Minha expedição de inverno a Ittoqqortoormiit não foi apenas uma aventura que me tirou da minha zona de conforto; foi uma das experiências mais desafiadoras que já tive.

Depois de voar de Reykjavík (capital da Islândia) para Nerlerit Inaat, passei cinco dias no gelo em temperaturas despencando até -40 °C.

Viajei em trenós puxados por cães, dormi em pequenas cabanas de caçadores (sem camas, água encanada ou aquecimento) e percorri 45 km em uma motoneve em meio a uma nevasca com ventos de 80 km/h.

No final das contas, isso acabou sendo muito mais do que uma expedição fotográfica, pois ofereceu um raro vislumbre da vida em uma das paisagens mais remotas da Terra.

Também revelou como os moradores restantes de Ittoqqortoormiit estão lutando para adaptar suas tradições profundamente enraizadas a um mundo em rápida mudança.

Batismo do frio

Minha viagem foi organizada pelo renomado fotógrafo Joshua Holko, que providenciou dois guias locais inuítes, Åge Danielsen e Manasse Tuko.

Eles conduziram eu e mais dois fotógrafos pelo gelo em seus trenós puxados por cães do aeroporto Nerlerit Inaat até Ittoqqortoormiit.

Tínhamos o objetivo de capturar algumas das paisagens polares mais austeras e deslumbrantes da Terra.

Montamos acampamento em pequenas tendas perto do aeroporto na primeira noite, pois as temperaturas estavam em -30 °C e caindo.

Depois de serrar bacalhau congelado na neve, como um carpinteiro cortaria madeira, e fervê-lo em uma panela de gelo derretido, Danielsen e Tuko anunciaram que o jantar estava pronto.

O bacalhau estava excelente, embora espinhoso, mas estávamos mais preocupados com o que nos esperava.

Eu nunca tinha sentido frio assim antes. Além disso, enquanto nos encolhíamos, ventos fortes batiam nas tendas e os cães de trenó uivavam quando raposas do Ártico — e talvez ursos polares — passavam.

Com a queda da temperatura, tive cãibras nas pernas. Foi realmente um batismo do frio.

Ícones nacionais

Logo após o café da manhã, Danielsen e Tuko começaram a preparar nossos suprimentos.

Eles habilmente transformaram os trenós vazios em contêineres cheios de bolsas, caixas térmicas, estojos para câmeras, comida para cachorro e muito mais.

Eles amarraram os produtos com cordas — demonstrando habilidades que, segundo eles, foram passadas de pai para filho.

Sentamos dois em um trenó com um guia na frente conduzindo os cães.

Nos dias seguintes, 12 cães em cada trenó carregaram mais de 450 kg em carga e correram com força por até 25 km por dia.

Acredita-se que esses amados animais (chamados qimmiit na língua inuíte da Groenlândia, Kalaallisut), que são de uma raça do tipo husky, foram trazidos da Sibéria para a Groenlândia há cerca de mil anos pelos ancestrais diretos dos inuítes, o povo Thule.

Os cães são um ícone nacional na Groenlândia.

Eles não apenas representam uma parte importante da cultura inuíte e sua conexão com a terra, mas, como logo descobriríamos, também têm a vantagem de serem muito mais silenciosos do que as motonaves.

Isso aumentava nossas chances de fotografar a vida selvagem — ou, no caso de Danielsen e Tuko, quando eles não estavam nos guiando, de caçar animais selvagens.

Seres pré-históricos

Certa manhã, depois de comer uma torrada aquecida com uma faca, Danielsen apontou para as montanhas enquanto os cães nos carregavam 10 km a oeste de Ittoqqortoormiit.

Olhamos para cima e vimos quatro bois-almiscarados em pé, a uma certa distância.

Pesando até 400 kg, essas feras de aparência pré-histórica, com chifres curtos saindo de suas bochechas e grande cobertura de pelos pretos e castanhos esvoaçantes, eram tão fotogênicas quanto imponentes.

Descemos dos trenós e andamos com muito cuidado, pois Holko nos avisou que essas relíquias da Era Glacial podem ser ariscas e agressivas.

Mova-se muito rápido e elas fugirão; chegue muito perto e elas atacarão.

Depois de uma hora fotografando essas criaturas, elas começaram a subir pela montanha.

O caçador

No nosso terceiro dia, Danielsen mencionou que era dono de uma cabana a cerca de 25 km de distância e nos convidou para passar duas noites lá.

Ficamos honrados com sua gentileza — especialmente porque sua casa estava estrategicamente posicionada para avistar ursos polares.

A cabana pintada de azul brilhante era grande o suficiente para um pequeno sofá, cadeira, pia, fogão e um raro vaso sanitário para usar sentado.

Mas a característica mais notável era o grande gancho de abate pendurado no teto.

Isso nos lembrou que, embora Danielsen possa ter assumido a função de guia para complementar sua renda, a caça é sua paixão, sua profissão e sua tradição ancestral.

Por lei, os caçadores aqui não têm permissão para vender carne ou peles de suas caçadas — ou, no caso do boi-almiscarado, para exportá-las.

Em vez disso, a carne só pode ser usada como alimento e material para roupas para as famílias nativas, como tem acontecido por gerações.

Tradição familiar

Enquanto estávamos em sua casa, descobrimos que Danielsen não era apenas um orgulhoso caçador inuíte, mas também pai de quatro filhos.

Ele explicou que seu pai era caçador, seu avô era caçador e ele esperava que seu filho mais novo seguisse seus passos um dia.

Holko havia encontrado um crânio de um boi almiscarado no dia anterior e o deu a Danielsen, que ficou radiante.

Perguntei a Danielsen se eu poderia fotografá-lo segurando o crânio, e ele alegremente concordou.

Mais tarde, durante o jantar, conversamos.

“Olhe para essas fotos”, disse Danielsen sorrindo, enquanto me mostrava seu celular.

“Este é meu pai, ontem.”

Na imagem, o pai dele estava de pé sobre um enorme urso polar morto no gelo.

“E olhe para estas”, mostrou com orgulho fotos de três enormes ursos polares adultos que ele havia matado.

Devido ao aumento das temperaturas nas últimas décadas, os ursos polares foram forçados a mudar seus padrões de migração, aproximando-os de comunidades como Ittoqqortoormiit e representando perigos reais para as pessoas e para si próprios.

Esculturas de gelo naturais

Da cabana de Danielsen, seguimos 20 km para o leste.

Enquanto nossos trenós deslizavam sobre a neve e o gelo, eu me maravilhava com o cenário e a serenidade que me cercavam.

A luz era mágica: enevoada e melancólica, com raios suaves de sol acariciando o gelo azulado.

Passamos por icebergs imponentes e formas de gelo compactado que a natureza esculpiu como obras de arte.

Era o paraíso de um fotógrafo de paisagens.

Com a completa escuridão à noite, e sem poluição luminosa, a aurora boreal dança regularmente pelos céus em noites claras no outono e inverno.

Até mesmo esse fenômeno, conhecido localmente como arsarnerit (“aqueles que jogam bola”), tem uma conexão com a caça: acredita-se que as luzes sejam as almas de crianças brincando com um crânio de morsa.

Os ‘fantasmas do Ártico’

Depois de cinco longos dias de viagem, chegamos a Kap Hope, um pequeno aglomerado com cerca de 20 cabanas antigas a 14 km a oeste de Ittoqqortoormiit.

Exaustos e com muito frio, nós seis desenrolamos sacos de dormir em uma das cabanas.

Na manhã seguinte, quando espiava por uma pequena janela com binóculos, Danielsen gritou de repente: “Urso polar! Urso polar!”

Minha adrenalina estava bombando enquanto eu pensava em fotografar o maior carnívoro terrestre do planeta — um predador de ponta que consegue sentir o cheiro de sua presa a 32 km de distância.

Descemos a encosta da montanha, carregando cuidadosamente nossas câmeras e lentes mais longas.

O urso, a 6 km de distância, permaneceu no gelo por cerca de 20 minutos antes de ir embora.

Eu sonhava em fotografar o que Holko descreve como os “fantasmas do Ártico” — ursos polares cuja pelagem branca se mistura tão perfeitamente com o ambiente, que é difícil vê-los.

Foi a oportunidade em que cheguei mais perto disso.

Ittoqqortoormiit

Há apenas uma casa de hóspedes na comunidade mais remota do hemisfério ocidental, e ela é apropriadamente chamada de Guesthouse (“casa de hóspedes”, em inglês).

Nós deveríamos descansar aqui pelos próximos três dias antes de ir embora de avião.

Depois de quase uma semana no deserto congelado, levou algum tempo para nos acostumarmos com Ittoqqortoormiit.

Você pode atravessar Ittoqqortoormiit a pé em cerca de 30 minutos.

Casas pintadas com cores vivas, em pé na neve branca profunda, dominavam a paisagem.

Grupos de cães estavam acorrentados a trenós vazios, como se fosse um ponto de táxi do Ártico.

Motoneves circulavam pela cidade enquanto as pessoas seguiam suas vidas diárias.

Nos últimos anos, Ittoqqortoormiit tem se anunciado como um destino para aventureiros — um lugar onde você pode caminhar pela tundra, ver icebergs e chegar a uma parte do mundo onde pouquíssimas pessoas irão.

Mas quando um policial (um dos três da comunidade, me disseram) acenou para mim enquanto passava em sua motoneve, eu não me senti mais um aventureiro, mas uma pequena parte desta comunidade distante.

A cidade é composta por uma igreja, uma pequena agência de viagens, uma delegacia de polícia, um bar, uma casa de hóspedes, um heliporto e um pequeno supermercado chamado Pilersuisoq, que é abastecido por duas entregas de navios a cada temporada.

Vagando pelos corredores escassamente abastecidos, fiquei impressionado com o alto custo de tudo. Eu me perguntei como, em um lugar onde havia poucos empregos, os moradores locais podiam pagar esses preços.

Lá fora, as peles de urso polar penduradas em andaimes perto de tantas casas me lembraram das origens desta comunidade.

Eu embarquei nesta aventura para capturar imagens únicas da vida selvagem.

E embora eu não tenha conseguido fotografar os “fantasmas do Ártico”, não importava, pois eu tinha tido a oportunidade de apreciar algo muito maior: a resiliência e a cultura geradas pela vida em um dos lugares mais remotos da Terra.

Confira mais trabalhos do fotógrafo Kevin Hall no site e Instagram dele.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel.

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Turismo sustentável como proposta para explorar cavernas brasileiras

Turismo sustentável como proposta para explorar cavernas brasileiras (Curso realizado no Parna de Ubajara (Foto: Vitor Moura))

Conexão com as belezas naturais, encontro com formações geológicas surpreendentes e únicas, um passeio pela cultura e história do Brasil. Esse roteiro é um pequena amostra do que os turistas poderão encontrar ao decidirem conhecer as diversas paisagens subterrâneas espalhadas pelo país. Seja nos parques nacionais Cavernas do Peruaçu, Ubajara ou em qualquer outra unidade de conservação com cavernas abertas à visitação, a riqueza natural desses locais é como um presente a quem os visita. Para permitir que a presença de turistas possa continuar sendo conciliada à conservação desses ambientes e das espécies existentes, dois espeleólogos promovem um curso que busca recuperar cavernas degradadas e ordenar a visitação, minimizando possíveis impactos, são eles Luciana Alt e Vitor Moura.

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Os autores do livro “Introdução às Práticas de Conservação e Recuperação Ambiental em Cavernas Turísticas” promovem cursos voltados para condutores de visitantes, brigadistas, servidores públicos entre outros profissionais que atuam nesses ambientes naturais nas atividades de gestão, instalação e manutenção de infraestrutura ou atividades de uso público. O objetivo é estimular a prática do turismo sustentável em ambientes subterrâneos. A iniciativa faz parte do Plano de Ação Nacional para Conservação do Patrimônio Espeleológico Brasileiro (PAN Cavernas do Brasil).

Segundo o espeleólogo Vitor Moura, é fundamental que os visitantes compreendam a fragilidade e a baixa resiliência inerente aos ambientes cavernícolas. Entre os principais impactos negativos observados nas cavernas, estão pisoteamentos em grandes áreas, pichações e quebra de espeleotemas. “Quando o turista entra numa caverna, geralmente ele não sabe que esse é um ambiente muito frágil e vulnerável. Qualquer dano que for feito, provavelmente não haverá recuperação ou a recuperação será muito difícil. Se o turista souber disso, ele poderá ter uma noção de conservação melhor. Essa é a ideia central do curso. Fazer um dano em uma caverna é muito fácil, mas recuperar é muito difícil ou impossível”, afirma Vitor.

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Entre os lugares onde o curso de conservação e recuperação de cavernas já foi realizado estão o Parque Nacional de Ubajara (CE) e o Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar – SP). Entre as atividades desenvolvidas durante a ação, Luciana Alt explica que “é fundamental não utilizar produtos químicos e não realizar ações que porventura amplifiquem ou agravem os danos existentes ou causem novos danos”. Além disso, são usadas técnicas de mapeamento de impactos, monitoramento, limpeza de espeleotemas e remoção de pixações.

Luciana Alt e Vitor Moura, durante curso realizado no Petar (Foto Jackson Delphino)

Vitor e Luciana também dizem que no curso de conservação e recuperação de cavernas é dado um enfoque muito grande em monitoramento e mapeamento de impactos, mais do que é feito no exterior. Segundo os espeleólogos, esse é o principal diferencial aqui no país. “As ações de conservação que existem fora do Brasil são mais de recuperação de danos efetivamente, não há tanto essa preocupação que a gente tem com o monitoramento”, afirmou Vitor.

PAN Cavernas do Brasil

Além do curso de conservação e recuperação de cavernas, o PAN Cavernas do Brasil possui 44 ações, que são distribuídas em quatro objetivos específicos, visando cumprir o objetivo geral: prevenir, reduzir e mitigar os impactos e danos antrópicos sobre o patrimônio espeleológico brasileiro, espécies e ambientes associados, em cinco anos. Além disso, contempla 169 táxons nacionalmente ameaçados de extinção, estabelecendo seu objetivo geral, objetivos específicos, prazo de execução, formas de implementação, supervisão e revisão.

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Senado aprova novas regras para pagamento de dívidas dos estados

O Senado aprovou, nesta quarta-feira (dia 14), o projeto de lei que cria o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag) para que estados e Distrito Federal possam renegociar dívidas com a União e pagar os débitos em até 30 anos com redução de juros O texto será encaminhado para análise da Câmara dos Deputados.

Atualmente, as dívidas estaduais somam mais de R$ 765 bilhões, sendo que cerca de 90% referem-se a dívidas de quatro estados: Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. As informações são da Agência Brasil.

Transferência de ativos

O PLP 121/2024 , de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também prevê a possibilidade de os estados transferirem ativos para a União como parte do pagamento e estabelece como contrapartida investimento em educação, saneamento, habitação, adaptação a mudanças climáticas, transporte e segurança pública. Os estados que tiverem dívidas com o Tesouro Nacional poderão aderir ao Propag em até 120 dias após a publicação da lei.

Pela proposta, os estados que decidirem entregar ativos à União poderão ter um abatimento na taxa de indexação da dívida, que atualmente equivale ao Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais 4%. Os descontos serão feitos de acordo com o montante da dívida que será quitado na adesão ao programa e outras regras fiscais e financeiras específicas. Com isso, estados poderão alcançar taxas de juros de IPCA mais 0%, 1% ou 2%.

Educação profissional e técnica

O texto prevê a criação do Fundo de Equalização Federal, que receberá parte dos recursos economizados com o desconto de juros da renegociação para investimentos nos estados. Outra parte do dinheiro poderá ser aplicada em investimentos no próprio estado, ao invés de ser pago como juros da dívida à União. No mínimo, 60% deverão ser investidos na educação profissional e técnica.

Segundo o relator da matéria, senador Davi Alcolumbre (União-AP), a população brasileira será beneficiada com as mudanças.

“Esses recursos não existiam em lugar nenhum, eles iam para o pagamento dos juros da dívida. E agora eles vão existir concretamente na vida dos brasileiros em todos os estados da Federação. O que seria juro da dívida vai se transformar em investimento direto nos estados”, disse ele, lembrando que a proposta foi construída em consenso entre governo federal e estaduais.

Pacheco agradeceu aos colegas senadores por entenderem a aflição dos estados endividados e pediu agilidade na votação na Câmara. “Os estados agora podem ver o horizonte de poder retomar sua capacidade de investimentos e que possa resolver de uma vez por todas a questão da dívida desses estados”.

Municípios

Os senadores também aprovaram hoje em dois turnos a proposta de Emenda à Constituição (PEC 66/2023) que reabre o prazo para os municípios parcelarem suas dívidas com a Previdência e define limites para o pagamento de precatórios. A proposta segue para análise na Câmara dos Deputados.

*Com informações da Agência Senado

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