Autoridades do Rio Grande do Sul informaram que ao menos 78 pessoas morreram devido às fortes chuvas que assolam o Estado desde a semana passada. Até às 18h deste domingo (5/5), a Defesa Civil gaúcha contabilizava ao menos 105 pessoas desaparecidas. Cerca de 115 mil pessoas estão desalojadas.
Segundo a Defesa Civil estadual, 341 dos 497 municípios gaúchos foram afetados pelas fortes chuvas que se estendem desde o início da semana. São 844 mil pessoas afetadas pelas enchentes.
Um balanço divulgado pelo governo do Rio Grande do Sul na tarde de domingo (5/5) informou que há seis barragens de hidrelétricas em situação de emergência, com risco iminente de rompimento. Segundo o governo gaúcho, isso aponta que devem ser tomadas “providências para preservar vidas”.
Entre essas medidas, está a retirada de famílias das áreas que podem ser atingidas caso ocorra um rompimento. Não foi informado o número de famílias que estão nessa situação.
Esse levantamento é feito pelo governo por meio da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e do Operador Nacional do Sistema (ONS).
Uma das seis barragens em situação de emergência, localizada entre os municípios de Bento Gonçalves e Cotiporã, já registrou um rompimento parcial há três dias.
De acordo com o governo, ainda há outras cinco barragens em estado de alerta. Isso significa que elas apresentam “anomalias que representam risco à segurança” e exige manutenções para que a situação não se agrave.
O grupo responsável por esse balanço informou ainda que há sete barragens em estado de atenção. São estruturas que possuem anomalias, mas que não comprometem a segurança dela a curto prazo. Elas necessitam de monitoramento, controle ou algum reparo.
Lista de barragens em estado de emergência no RS:
Frente fria pode complicar resgate
O governo federal informa que existe agora uma preocupação adicional: uma frente fria.
Na quarta-feira (8/5), a temperatura vai baixar para até 10°C em algumas áreas do Estado, segundo o Comando Militar do Sul. A frente fria vai piorar as condições de evacuação, além de aumentar o risco de hipotermia em pessoas que estejam aguardando o resgate ao relento ou sob a chuva. Daí a importância em acelerar os auxílios.
Na capital Porto Alegre, a população já enfrenta a maior enchente da história da cidade. O Guaíba ultrapassou o nível de 5 metros na sexta-feira (3/5), superando a marca histórica registrada em 1941. O recorde voltou a ser batido nas horas seguintes, chegando a 5,19m na Usina do Gasômetro.
No começo da noite de sábado, houve um breve alívio, com uma pequena redução de 1cm. Foi a primeira queda no nível da água naquele ponto desde 30 de abril. No entanto, a água voltou a subir na noite de sábado para domingo.
A Defesa Civil estadual alerta que as chuvas com ventos fortes e descargas elétricas, risco de granizo e alagamentos continuam vigentes neste domingo (5/5), no norte e nordeste do Estado, além de na região metropolitana de Porto Alegre.
Em entrevista a jornalistas no sábado (4/5), o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), afirmou que a grave situação causada pelas enchentes no Estado vai exigir a adoção de um “Plano Marshall”.
O Plano Marshall foi a estratégia americana de aplicar bilhões de dólares ba reconstrução da Europa aliada após a Segunda Guerra Mundial.
“Vamos precisar de medidas absolutamente excepcionais. O Rio Grande do Sul vai precisar de um Plano Marshall, de medidas absolutamente extraordinárias. Quem já foi vítima das tragédias não pode ser vítima de desassistência e da burocracia”, disse o governador à imprensa.
Ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no domingo, Leite afirmou que esse plano terá de envolver também estratégias de resiliência climática, que permitam ao Estado resistir aos extremos climáticos globais.
Neste domingo, Lula visita o Estado para discutir os próximos passos de reação da tragédia.
“É preciso que a gente pare de correr atrás da desgraça (…) e aja com antecedência” na prevenção de tragédias, disse Lula.
O presidente afirmou que o governo federal ajudará na recuperação da infraestrutura estadual – e que a burocracia estatal não atrapalhará nos esforços de reconstrução.
“O Brasil deve muito ao Rio Grande do Sul”, agregou Lula, mencionando a pujança agrícola do Estado. “Se ele sempre ajudou o Brasil, agora está na hora de o Brasil ajudar o Rio Grande do Sul.”
Situação pior do que em cheias de 2023
A crise por causa das fortes chuvas no Estado começou na última terça-feira, e no dia seguinte foi decretada calamidade pública. As consequências dos temporais, como enchentes e transbordamento de rios, foram classificadas como desastres de nível 3, que são “caracterizados por danos e prejuízos elevados”.
As aulas da rede estadual foram suspensas na última semana. Ao todo 700 mil alunos foram impactados.
Com problemas de movimentação no Estado, o governo federal decidiu adiar a realização do Concurso Público Nacional Unificado (CPNU), que seria realizado no domingo. Ainda não foi divulgada uma nova data.
Relatório divulgado pela Sala de Situação, da Defesa Civil, mostra que áreas impactadas durante a emergência em setembro de 2023 estão em risco novamente.
Há oito meses, o Estado enfrentou o pior fenômeno natural registrado até então com a passagem de um ciclone extratropical que causou enchentes, atingindo 57 mil pessoas e deixando 54 mortes. Quatro pessoas ainda estão desaparecidas.
Na ocasião, as cidades mais afetadas foram Muçum, Encantado, Roca Sales, Lajeado e Estrela, todas localizadas às margens do Rio Taquari, que também vêm sendo castigado com as tempestades deste ano.
O volume de chuvas no Rio Grande do Sul tem sido chamado de “extraordinário” pelas autoridades, e a crise afeta centenas de cidades em diferentes graus.
A cidade de Fontoura Xavier registrou o maior volume de chuva do Estado, com 500,6 milímetros entre as 12h de terça e as 12h de quarta.
O volume é mais de três vezes maior do que a média histórica do município – 146 milímetros. Os dados são do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
Sete cidades do Estado gaúcho estavam entre as 10 com mais volume de chuvas registrado no mundo nas 24 horas até quinta-feira (2), segundo o serviço de meteorologia Ogimet, que possui base em mais de 6,6 mil estações em vários países.
A cidade de Santa Maria, apesar de não aparecer nesta lista, é uma das mais afetadas pela chuva, com desmoronamento de encostas, obstruções e bloqueios em vias urbanas e rurais. Ao meno onze pontes caíram e havia áreas de inundação em diversos pontos.
Outra região bastante prejudicada é a área do Vale do Taquari, que abrange 40 municípios. O rio que corta a região e possui o mesmo nome atingiu 31,2 metros de altura e atingiu o maior nível da história. Até então o nível mais alto já registrado era de 29,9 metros, em 1941.
Por que está chovendo tanto no Rio Grande do Sul?
Meteorologistas ouvidos pela reportagem da BBC News Brasil explicam que as chuvas intensas registradas no Rio Grande do Sul nos últimos dias são consequência de uma combinação de três principais fatores:
“Essa massa de ar quente sobre a área central do país bloqueou a frente fria que está na região Sul impedindo-a de avançar e se espalhar para outras localidades. A junção desses fatores faz com que essa instabilidade fique sobre o estado, causando chuvas intensas e continuas”, explica Dayse Moraes, meteorologista do Inmet.
Aliado a isso, o período entre o final de abril e o início de maio de 2024, ainda tem influência do fenômeno El Niño, que é responsável por aquecer as águas do oceano Pacífico, contribuindo para que áreas de instabilidade fiquem sobre o estado. Essa combinação de diversos fatores de uma única vez é considerada rara pelos especialistas.
As chuvas catastróficas do Sul têm relação direta com a onda de calor registrada na região Centro-Oeste e Sudeste, onde as temperaturas estão cerca de 5°C acima da média neste outono.
“Com a intensificação das mudanças climáticas globais os eventos climáticos extremos serão mais frequentes e intercorrentes”, acrescenta Rafael de Ávila Rodrigues, professor e climatologista do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Catalão (UFCAT).
Para além dos efeitos mundiais do aquecimento global, o ambientalista Marcio Astrini, do Observatório do Clima, disse à BBC News Brasil que é preciso responsabilizar também senadores e deputados que, segundo ele, têm agido para flexibilizar a legislação ambiental e dessa forma contribuir para as mudanças climáticas.
*Com reportagem de Luiz Antônio Araújo, de Porto Alegre para a BBC News Brasil
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