Pesquisa aponta como expansão urbana e mudanças climáticas afetam a vida dos beija-flores

“Essa é uma velha história de uma flor e um beija-flor que conheceram o amor, numa noite fria de outono”. Os versos ganharam som e vida na música brasileira. Um sucesso cantado por Marília Mendonça com a dupla Henrique e Juliano. Mas o que na canção significa poesia, na biologia tem outro nome: função ecossistêmica. Flores e beija-flores estão conectados e são dependentes dessa relação.

Entre a variedade de aves existentes no planeta, os beija-flores são sem dúvida uma das mais admiradas. Esses integrantes da família Trochilidae, originários das Américas, ocorrem desde o Alasca até o sul do continente. A maior biodiversidade é encontrada no Brasil e no Equador. Os dois países contam com quase metade das espécies conhecidas até agora. Aves de pequeno porte, eles medem em média de seis a doze centímetros de comprimento, o peso varia de dois a seis gramas.

Entre os vertebrados, os beija-flores são o grupo de polinizadores mais diverso, interagem com flores e auxiliam na reprodução delas. Os Trochilidaesão reconhecidos por terem características mais especializadas nesse modo de vida, já que apresentam corpo diminuto, metabolismo acelerado, bico e língua adaptados para a alimentação com o néctar.

Na América, milhares de plantas dependem dessas pequenas aves para a existência. Entre elas, muitas das flores mais vistosas e coloridas da natureza. Mas nesse continente com mais de 1 bilhão de habitantes, a expansão urbana vêm interferindo na vida deles.

Professor do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução, ICB da Universidade Federal de Minas Gerais, Pietro Maruyama participou de um estudo internacional sobre o caso. Ele foi principal responsável por idealizar e coordenar a pesquisa. O pesquisador escreveu o texto final que contou com colaboração de 69 co-autores.

O estudo mostrou que a urbanização tem remodelado os ecossistemas. Ainda não é totalmente claro até que ponto ela se sobrepõe aos padrões naturais, tais como o efeito do clima na promoção da biodiversidade. Os pesquisadores utilizaram dados de mais de uma centena de comunidades ecológicas entre beija-flores e plantas mutualísticas.

Comunidade ecológica é um conjunto de populações de diferentes espécies que vivem em determinada região, em um período específico de tempo, e conectados pelas interações que apresentam. A pesquisa feita desde o México até o Brasil que incluiu 176 espécies de beija-flores e 1.180 espécies de plantas mostrou que os habitats urbanos contém associações mais generalizadas do que as áreas naturais, com espécies exibindo maior sobreposição de interação entre elas.

Nos habitats urbanos, há prevalência maior de plantas não nativas. As espécies de beija-flores observadas em habitats urbanos também são maiores, com bicos mais curtos e no geral, com menor diversidade de formas.

“A nossa sugestão como uma das explicações é de que em áreas urbanas temos espécies de beija-flores maiores pelas características das plantas, muitas vezes árvores com milhares de flores que oferecem muito néctar, e assim favorecem espécies de beija-flores mais territoriais, maiores”, ressalta Maruyama.

“Mas é possível que outros fatores como capacidade de voo e questões fisiológicas também tenham importância. Áreas urbanas podem acabar funcionando como um filtro ambiental, selecionando apenas algumas espécies com características específicas e assim levando a uma menor diversidade quando comparada com áreas naturais”.

As interações, contudo, tornaram-se mais generalizadas com a diminuição de chuva tanto nas áreas urbanas como naturais, sugerindo um efeito do clima nas comunidades, independentemente do tipo de habitat. Os resultados sugerem que a urbanização altera as interações ecossistêmicas.

“A chuva nesse caso pode ter mais a ver com a produtividade do ecossistema e a diversidade de flores, e tem um efeito tanto em área natural quanto área urbana , áreas mais chuvosas tem mais diversidade de recursos de plantas. Assim, os resultados sugerem que a urbanização altera consistentemente as interações ecossistêmicas, mas em escala continental o clima ainda exerce influência na estrutura dessas interações”, explica o professor da UFMG.

O estudo foi publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences USA. A PNAS é uma das revistas científicas multidisciplinares mais tradicionais e de grande prestígio para a comunidade acadêmica, o que confere visibilidade para a pesquisa que também foi realizada no Brasil.

Em linhas gerais, a pesquisa concluiu que embora a urbanização altere consistentemente as interações ecológicas dos beija-flores e das plantas, o clima continua a ter uma influência mesmo em ambientes urbanos transformados. Mas quais efeitos a urbanização tem produzido nas interações ecológicas entre os beija-flores e as flores ?

“o principal efeito detectado é de que a forma como as interações são organizadas têm se tornado mais simplificado, potencialmente levando a comunidades ecológicas que funcionem de uma forma menos eficiente. Além disso, espécies de beija-flores que tenham alguns requerimentos mais específicos têm desaparecido com a conversão de áreas naturais para áreas urbanizadas.”

“o principal efeito detectado é de que a forma como as interações são organizadas têm se tornado mais simplificado, potencialmente levando a comunidades ecológicas que funcionem de uma forma menos eficiente. Além disso, espécies de beija-flores que tenham alguns requerimentos mais específicos têm desaparecido com a conversão de áreas naturais para áreas urbanizadas.”

A investigação científica realizada em quatro anos foi baseada também em dados coletados décadas atrás. Os pesquisadores analisaram 103 áreas , dessas 36 são áreas urbanas desde o norte do México até o sul do Brasil. No caso as cidades escolhidas variaram no porte, passando por aglomerações urbanas de médio porte até grandes metrópoles como a Cidade do México. O estudo demonstrou que a urbanização vem remodelando os ecossistemas.

“É importante que mais pesquisas sejam realizadas. Mas os nossos achados já indicam que é preciso introduzir em áreas urbanas, como ornamentação urbana, mais espécies de plantas nativas e com flores de morfologia específicas para contribuir com a persistência de espécies de beija-flores mais especializadas que têm requerimentos mais específicos para se manterem. Isso poderia ser feito explorando a ampla diversidade da nossa flora nativa, que incluem inúmeras espécies como flores tão lindas quanto as plantas introduzidas comumente encontradas em áreas urbanas” conclui.

Na letra da música, o beija-flor voou longe demais depois de beijar a flor. Talvez ele não tenha encontrado a flor específica de que precisava mais por perto.

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